O Trabalho de Comando nas atividades de ensino do CI Bld: Observações e lições aprendidas
O Trabalho de Comando nas atividades de ensino do CI Bld: Observações e lições aprendidas
Ainda que o Manual de Ensino Trabalho de Comando - EB60-ME-13.301, tenha sido publicado recentemente, em outubro de 2018, e atualizado por meio de sua 2ª edição no início de 2019, os trabalhos de planejamento tático e de emissão de ordens nível subunidade e pelotão não se constituem em nenhuma novidade na formação, capacitação e emprego operacional dos oficiais e sargentos do Exército Brasileiro.
Mesmo que alguns conceitos e metodologias mais específicas tenham sido introduzidas no citado manual, fruto de um crescente movimento de capacitação de pessoal no exterior e consequente atualização doutrinária, o que é muito positivo, ainda assim, a essência e o escopo dos trabalhos de um comandante tático permanecem os mesmos desde muito: recebimento, análise e entendimento da missão; estudo dos fatores de decisão; planejamento do emprego de sua fração para o cumprimento da missão; integração de funções de combate; e emissão de ordens.
Entretanto, apesar do assunto ser considerado de certa forma consolidado na instituição, alguns aspectos que chamam muito a atenção da equipe de instrução deste Centro são: a dificuldade de execução de planejamentos táticos consistentes, a dificuldade na emissão de uma ordem de operações de forma efetiva, e a dificuldade de coordenação e sincronização dos elementos de manobra e demais funções de combate.
Dentre o público-alvo do Centro de Instrução de Blindados – oficiais e sargentos de carreira, com tempo de formação e experiências de tropa variados, salvo algumas exceções, é possível observar a superficialidade do planejamento como uma característica comum entre esse universo. Dentre as principais deficiências, destacam-se as resumidas no quadro abaixo:
Fase ou atividade do Trabalho de Comando |
Principais deficiências observadas |
Providências Iniciais: recebimento da missão e estudo preliminar |
- baixo nível de interpretação da missão recebida e da intenção dos escalões superiores; - não desmembramento da missão recebida em tarefas e ações táticas; e - deficiente elaboração de um enunciado para a missão do seu escalão e finalidade da operação. |
Estudo detalhado da missão: terreno e condições meteorológicas |
- deficiente interpretação do impacto dos obstáculos e áreas de restrição ao movimento, e influência na manobra; - dificuldade de interpretação dos efeitos do terreno e das condições climáticas sobre equipamentos, visibilidade e mobilidade; e - interpretação superficial do relevo e da vegetação, e seus desdobramentos para a manobra quanto à campos de tiro, observação, cobertas e abrigos. |
Estudo detalhado da missão: inimigo |
- pouca compreensão das capacidades do inimigo presente na Z Aç; - não identificação das prováveis atitudes e objetivos do inimigo na Z Aç; - não identificação das possibilidades e dos potenciais efeitos dos sistemas de armas inimigos sobre sua tropa; e - não elaboração de uma provável linha de ação inimiga. |
Estudo detalhado da missão: aspectos civis |
- indefinição ou inadequação de regras de engajamento à situação; e - não estabelecimento de NGA para condutas em caso de contato com elementos civis. |
Montagem da Linha de Ação e Decisão
Montagem da Linha de Ação e Decisão |
- deficiente faseamento da operação com superficial detalhamento de cada fase; - dificuldade em elaborar a intenção do Cmt; - inexistência de medidas de coordenação e controle de prevenção ao fratricídio; - não planejamento do emprego dos fogos orgânicos de sua fração e peças de manobra; - planejamento logístico e de comando e controle deficientes; - não compreensão dos EEI do Esc Supe e não planejamento da obtenção e reporte dos mesmos; e - deficiente coordenação entre as peças de manobra, com muito pouco ou inexistente estabelecimento de medidas de coordenação de controle. |
Emissão da Ordem de Operações |
- insegurança e falta de autoconfiança na emissão da ordem; - pouco dinamismo e interação com a tropa; - não utilização de meios visuais; e - não cumprimento de uma sequência para emissão, pulando ou invertendo etapas da ordem. |
Se essas deficiências já se apresentam de forma clara no nível pelotão, maior ainda é o gap de desempenho no nível SU, onde se faz fundamental a integração e a sincronização das diversas funções de combate, principalmente do apoio de fogo e da logística, elevando significativamente o grau de complexidade do trabalho de comando.
Um outro aspecto que se apresenta bastante deficiente e que, apesar de ser atinente ao adestramento e não específico do trabalho de comando, mas que impacta significativamente neste último, é o desconhecimento ou até mesmo a ausência total de Normas Gerais de Ação (NGA) de combate, específicas para as diversas demandas relacionadas a aplicação das devidas Táticas, Técnicas e Procedimentos (TTP), conforme cada escalão e natureza de tropa.
Não é tarefa fácil inferir causas ou fatores contribuintes para tal situação, mas algumas considerações iniciais podem ser elaboradas, a título de contextualização e visualização do todo:
Seria importante considerar a necessidade de valorização dos períodos de adestramento das OM, fase fundamental na carreira de oficiais e sargentos, no que diz respeito ao desenvolvimento das competências necessárias ao comando tático, à obtenção de experiência no pleno exercício da profissão militar, e para o desenvolvimento da liderança em todos os escalões.
“O adestramento – significando um fecundo esforço para a imitação do combate – é a única maneira de profissionalizar os Quadros e de manter viva a Organização Militar.” PPA-CAV/1, 1983.
Nesse quesito, cabe destacar a necessidade de se efetivamente realizar o adestramento dos pelotões e das subunidades, momento ideal e oportuno para a prática do trabalho de comando pelos sargentos, tenentes e capitães, sempre supervisionados, orientados e avaliados por seus comandantes e superiores imediatos. A série de Programas Padrão de Adestramento para tropas de infantaria e cavalaria, publicados em 1983, ainda em vigor, preveem uma dosagem significativa de exercícios durante a fase de adestramento, conforme ilustrado nas figuras abaixo:
A despeito da dosagem de exercícios acima exemplificada, o que se vê, na prática, é a realização, muitas vezes, de um único exercício de adestramento anual, normalmente nível Brigada ou superior e que, por sua natureza e concepção, tem objetivos de adestramento muito diferentes dos escalões SU e inferiores.
Também não podemos relegar a segundo plano, a inevitável comparação com nações amigas como Estados Unidos, Alemanha, França, Chile e Argentina, entre muitas outras, que entre a formação do oficial em suas Academias – equiparada à nossa AMAN, e o aperfeiçoamento dos mesmos ao nível EM/U – o que seria a nossa EsAO, realizam curso específico para habilitação dos oficiais ao Comando de SU, via de regra com grande enfoque tático.
Obviamente não se pode estigmatizar tudo ou todos com um rótulo de baixo desempenho. Muito pelo contrário, as mais variadas missões no exterior onde o Exército Brasileiro se fez presente, com tropa constituída ou por militares isolados, apontam para um elevado grau de desempenho dos comandantes táticos em todos os níveis e funções, com observações e referências altamente positivas por parte de militares das mais diversas nações.
Estaria a diferença de desempenho na seleção de pessoal, na preparação, na contextualização real e na premente necessidade por um bom desempenho?
Sem que haja uma avaliação diagnóstica mais acurada, até mesmo embasada em metodologias mais científicas do que a mera impressão pessoal, não é possível ser totalmente incisivo na indicação de oportunidades de melhoria. Entretanto, um coisa temos como certa: não podemos descuidar jamais do desenvolvimento das capacidades de comando e liderança de comandantes táticos em todos os níveis.
Alessandro Fagundes de Souza – Maj
Ch SEOB do CI Bld
Carlos Alexandre Geovanini dos Santos - Ten Cel
Comandante do CI Bld