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CURSO BÁSICO DE LÍDER DE CAVALARIA NOS EUA

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A formação do Comandante de Pelotão CC norte-americano e

possíveis aprendizados para a tropa blindada do Exército Brasileiro

Introdução

O Exército Americano é segmentado em diversas especializações (branches) equivalentes a Armas, Quadros e Serviços adotados no Exército Brasileiro (EB). Diferente de nosso modelo de formação, os oficiais daquele país se especializam na sua Arma posteriormente à graduação, no formato de um curso de especialização. Dessa forma, a Armor School no Fort Moore, Georgia, conduz o Armor Basic Officer Leader Course, ou ABOLC, como é conhecida a especialização dos tenentes da Arma de Cavalaria e blindados.

O ABOLC tem por objetivo preparar o futuro comandante de pelotão tanto no aspecto técnico como no tático para comandar um pelotão de carros de combate (Pel CC). O formato atual do curso é totalmente focado no Pel CC, enquanto as operações de reconhecimento e segurança são abordadas em um curso posterior, o Scout Leader Course (SLC). O ABOLC é dividido em quatro fases, distribuídas ao longo de quatro meses. A primeira delas é de nivelamento, quando são realizadas avaliações de caráter básico, como tiro de fuzil (M4) e de pistola (M17) e orientação diurna/noturna. É na segunda fase que o curso se direciona para o carro de combate (CC). Eminentemente técnica, é voltada para a operação do M1A2 Abrams (alunos de nações amigas utilizam apenas a versão A1), e culmina com a execução do tiro real.

Já a terceira fase é direcionada para o planejamento de operações com o Pel CC. Ali, há trabalho de comando, operações e confecção de calcos. O enfoque está na emissão de ordens, em que aluno emite quatro delas ao pelotão, todas avaliadas. A aprovação na última, conhecida como Gate Order, é pré-requisito para o prosseguimento para a quarta e última fase do curso, que consiste em um exercício no terreno.

O objetivo deste artigo é disseminar as principais experiências e conhecimentos obtidos com ênfase naquelas relacionadas à tropa blindada. Dessa maneira, boas práticas verificadas na instrução norte- americana podem servir de referência para aperfeiçoamento da formação e especialização dos nossos militares e, particularmente, para a instrução e o adestramento de nossas frações. Diante disso, abordar-se-á especificamente como o U.S. Army instrui seus futuros líderes de pequenas frações CC, com ênfase nos seguintes aspectos: metodologia para identificação de blindados, instrução de operação de blindados, emprego de simuladores para o adestramento, peculiaridades do tiro real com o CC e metodologia de ensino para o emprego tático do pelotão CC.

Figura 1: pavilhão utilizado para instrução no Abrams
Fonte: arquivo pessoal do autor
 

Identificação de blindados e munições

A importância da prevenção do fratricídio é levada com bastante seriedade pelo Exército Americano. Vale recordar que, em 1991, na Operação Tempestade do Deserto, estima-se que 17% dos feridos da coalizão decorreram de incidentes de “fogo amigo”. Ao se observar especificamente o número de viaturas perdidas, cerca de 75% dos M1 Abrams e M2 Bradley perdidos em combate foram destruídos em razão de fratricídio (WATERMAN, 1997, p. 6-9).

Tendo colhido os ensinamentos dos conflitos passados, durante o ABOLC, os alunos são cobrados rigorosamente quanto à identificação de blindados de países estrangeiros. Semelhante ao que ocorre no Curso de Formação de Cabo Atirador CC e também no Curso de Operação da Viatura Blindada de Combate Carro de Combate (VBC CC) Leopard 1A5 BR, é prática consolidada a realização de provas de identificação de blindados utilizando slides temporizados.

A avaliação de identificação de blindados é um dos eventos chave da 2ª fase do curso, consistindo de 50 itens (viaturas a serem identificadas), sendo 25 imagens diurnas e 25 imagens termais. O aluno deve ter aproveitamento mínimo de 70% para obter aprovação. O maior grau de dificuldade, porém, reside no fato de que nenhuma viatura americana pode ser erroneamente identificada. Tal erro ocasiona falha automática no teste e a consequente necessidade de realizar uma nova avaliação, podendo, o aluno, inclusive ser reprovado nesta fase do curso por esse motivo.

Figura 2: imagens do BMD-2 (Esq) e BMD-3 (Dir) utilizadas durante a instrução de identificação de blindados
Fonte: USA, 2021a
 

O acervo utilizado é concentrado no teatro de operações europeu. Além dos veículos americanos, são apresentados congêneres ingleses, franceses, alemães e russos. A utilização de itens semelhantes, como as das famílias BMP e BMD, ambas russas, aumentam o nível de cobrança e exigem o emprego correto da metodologia para se obter sucesso.

Além de blindados, deve-se identificar também helicópteros, como o AH-64 Apache, norte- americano, e o Mi-28 Havoc, russo. A necessidade de identificar aeronaves de asa rotativa advém da capacidade que o M1 Abrams possui de engajar esses alvos, inclusive utilizando o canhão 120 mm com a munição multipropósito (MPAT). Além disso, os helicópteros também representam grande ameaça para o CC, devendo, a guarnição, ser capaz de identificar positivamente a ameaça para que medidas de defesa antiaérea sejam tomadas de imediato.

Nos mesmos moldes da avaliação de identificação de blindados, o aluno também é avaliado na identificação das munições utilizadas na VBC CC M1 Abrams, devendo obter 100% de aproveitamento. Um aspecto relevante sobre a identificação de munições é que o aluno também deve ser capaz de identificar a munição pelo culote (ver figura 2), visto que essa é a única forma de o auxiliar do atirador identificá-la na cinta de primeira intervenção (bunker). O mesmo ocorre no Leopard 1A5 BR, para as munições que estão na colmeia.

Figura 3: Identificação de munições pelo culote
Fonte: USA, 2021b
 

Instrução sobre blindados

É na segunda fase que o aluno tem o primeiro contato e se aprofunda na VBC CC M1 Abrams; ela se assemelha bastante ao Curso de Operação da VBC CC Leopard 1A5 BR, com a ressalva de que o objetivo da instrução não é formar o especialista na VBC, e sim que o futuro comandante de pelotão CC adquira o conhecimento técnico necessário sobre o carro para planejar operações.

De maneira geral, os alunos recebem instrução sobre os postos da guarnição (comandante, atirador, auxiliar do atirador e motorista), compartimento do motor, colimação, armamento secundários e manutenção. As instruções são eminentemente práticas e ocorrem em um pavilhão de manutenção, onde permanecem as VBC e também um dispositivo de mesas e cadeiras para as turmas de aula (ver figura 3). Além disso, a realização de rodízios é um aspecto característico das instruções com blindados devido ao espaço limitado no interior das viaturas.

Nos momentos de rodízio, a equipe de instrução também disponibilizava metralhadoras .50 M2 e 7,62 mm M240 (armamento secundário) para treinamento de (des)montagem e manejo, que eram alvo de avaliação como parte do Gunnery Skills Test, realizado nesta fase.

 

Emprego de simuladores

Semelhante ao que ocorre na instrução da VBC CC Leopard 1A5 BR no Brasil, a instrução com o M1 Abrams é bastante fundamentada no emprego de simuladores. Ao longo do curso, os alunos tem contato principalmente com o AGTS (Advanced Gunnery Training System), destinado ao treinamento da técnica de tiro e com CCTT (Close Combat Tactical Trainer), no qual são realizadas operações e ações táticas. Os simuladores são localizados em um centro de simulação independente, que contém uma variada gama de outros simuladores e apoia diversos outros cursos do Fort Moore.

Paralelamente às instruções no carro, as turmas realizam rodízios no AGTS, visando preparar os alunos para o tiro real com a VBC. O AGTS (ver figura 4) pode ser descrito como um simulador intermediário entre os nossos Treinador Sintético Portátil (TSP) e Treinador Sintético de Blindados (TSB). O simulador recria com fidelidade o posto do comandante de carro (Cmt CC) e do atirador (At), permitindo o adestramento da técnica de tiro do binômio Cmt-At de modo muito fidedigno. Diferente do TSP, esse simulador não permite o adestramento do motorista da guarnição.

Figura 4: visão externa (acima) e interna (abaixo) do AGTS (versão M1A1)
Fonte: arquivo pessoal do autor
 

Na terceira fase, passa-se a utilizar, com frequência, o simulador tático CCTT. Ele pode ser comparado ao treinador sintético de blindados, porém com mais recursos. É constituído de um compartimento grande, que simula a torre da VBC, contendo os postos do Cmt CC, atirador e auxiliar do atirador (ver figura 5). Anexo a esse compartimento, existe uma partição menor, fechada, que simula o posto do motorista.

Todos os postos permitem simular, de forma fidedigna, os procedimentos realizados no carro, com exceção do auxiliar do atirador. Neste último, o auxiliar simula o carregamento pressionando o botão correspondente à colmeia de onde a munição será retirada (bunker); pressionando outro botão, situado no bloco da culatra, simula-se o carregamento. Em que pese o treinamento negativo em relação ao esforço físico, isso obriga o auxiliar a ficar atento aos procedimentos dos demais membros para que selecione a munição correta e carregue o canhão com presteza, além de apresentar tempo de carregamento variável para o canhão – isso aumenta o realismo da técnica de tiro do atirador.

Figura 5: unidades do Close Combat Tactical Trainer (CCTT)
Fonte: arquivo pessoal do autor
 

A estrutura do CCTT também abrange as salas de controle, desde onde o instrutor e um técnico civil, especialista no sistema, controlam os cenários e observam as ações do pelotão através de quatro televisões, que exibem a visão de espectador e a carta utilizada. Na sala de controle, também é realizada a preleção com os alunos, quando são designados os simuladores para cada guarnição, além da Análise Pós-Ação (APA) ao término da simulação. As paredes laterais das salas de controle são removíveis, o que permite juntá-las às vizinhas em uma grande sala conjunta, que pode ser utilizada para exercícios nível SU, por exemplo.

 

Tiro real com a VBC CC M1 Abrams

Coroando a fase de operação da VBC Abrams, os alunos realizam o tiro real no Digital Multi-Purpose Range Complex (DMPRC). Trata-se de um polígono de tiro de grande infraestrutura e utilização de meios de alta tecnologia para direção da atividade, que possui uma grande área de espera concretada destinada às viaturas que não estão atirando ou não estão em utilização. Ali, é realizada a colimação das VBC.

Figura 6: posições de tiro do DMPRC
Fonte: arquivo pessoal do autor
 

O polígono de tiro, em si, utiliza alvos pop-up, previstos no TC 25-8 Training Ranges (USA, 2004, p. 73- 88). Esses alvos possuem, ainda, módulos termais que se destacam na visão termal, como motor e rodas de apoio. As posições de tiro são constituídas de posições estáticas com bermas que são utilizadas para simular o desenfiamento do CC e realizar o tiro na posição defensiva (ver figura 6). Na área de alvos, há estradas na direção longitudinal que dão acesso aos alvos e permitem a execução do tiro em movimento na postura ofensiva.

O tiro real é avaliado e cada aluno executa cerca de 10 disparos de canhão com munições de treino do tipo Super Flecha e Multipropósito, entre tiros diurnos e noturnos, em moldes semelhantes ao ensaiado nos simuladores, com dois engajamentos por evento. Também são realizados exercícios com as metralhadoras coaxial e antiaérea (Cmt CC).

 

Emprego tático

Iniciada a terceira fase, a turma passa a ser acompanhada também pelos Tactics Officers (Tac-O), oficiais instrutores que são responsáveis por ministrar as instruções durante essa fase. Cada pelotão tem um Tac-O, que ministra todas as instruções para sua turma. Cada aluno emite quatro ordens ao pelotão avaliadas (ofensiva, defensiva, abertura de brecha e outra, variável), devendo obter, no mínimo, 70% de aproveitamento para ser apto em cada.

Para a operação ofensiva, o aspecto mais relevante é evitar-se o fratricídio. O Diagrama de Risco de Superfície (DRS) é utilizado como referência para verificar se uma seção entrou no setor de tiro da outra. Além disso, deve-se evidenciar as medidas de coordenação dos fogos direto como o setor de tiro das seções, técnica de tiro a ser empregada e restrição de fogos (livre, restrito e proibido).

Já na operação defensiva, em que o pelotão é colocado em 1º escalão, o restante da SU aprofunda a P Def na posição principal. Nessa ordem, o aluno deve planejar uma série de ações táticas que incluem não só a preparação da P Def em si e a destruição de parte das forças inimigas, mas também o emprego de meios de Engenharia passados em apoio para criação de espaldões e lançamento de campos de minas, acolhimento de Exploradores que ocupam o PAC da FT U, desengajamento com apoio de Aviação do Exército, acolhimento do seu pelotão pela FT SU e preparação para execução de contra-ataque.

Figura 7: emissão de ordem durante a 4ª fase do ABOLC
Fonte: arquivo do autor. Créditos: Maj Liscano (U.S. Army), 2021
 

A terceira ordem, por sua vez, é no contexto de uma abertura de brecha realizada no nível SU, com seu pelotão constituindo a força de abertura de passagem (cabe ressaltar que nos EUA, as tropas CC têm apetrechos orgânicos que podem ser colocados no CC para realizar esse tipo de operação). A quarta e última, a Gate Order, é planejada em sala de instrução com o tempo de 4 horas, podendo ser uma operação ofensiva ou uma operação defensiva, de acordo com cada turma de aula. Além das operações básicas planejadas, é dada grande ênfase nas substituição de unidades de combate, que se faz presente a partir da segunda ordem seja na forma de acolhimento ou ultrapassagem.

Tendo cumprido os requisitos de aprovação, o aluno prossegue para a última fase do curso, que consiste em um exercício no terreno. Os pelotões realizam diariamente duas operações (manhã e tarde) em exercícios de dupla ação nas diversas posições existentes no campo de instrução. Os Cmt Pel de D são designados no final da jornada diurna de D-1, tendo a jornada noturna para realizar o seu planejamento. Cada aluno comanda seu pelotão em uma operação (ofensiva ou defensiva), sendo avaliado na emissão da ordem e na conduta na execução.

Os sargentos instrutores os acompanham como observadores e controladores do adestramento (OCA) no posto do auxiliar do atirador. Os Tac-O, por sua vez, atuam como OCA do pelotão e o acompanham separadamente, em viatura leve. Os Tac-O também são responsáveis por desencadear os fogos planejados pelo Cmt Pel, utilizando granadas fumígenas e fogos de artifício. Ao final do exercício, o Tac-O sempre realiza uma APA sucinta.

Figura 8: APA após operação na 4ª fase do ABOLC
Fonte: arquivo do autor. Créditos: Maj Liscano (U.S. Army), 2021
 

 

CONCLUSÃO

Dentre os aspectos apresentados, pode-se destacar a ênfase na identificação de blindados. Os americanos cobram a identificação de diversas viaturas, inclusive da mesma família, e abrangem também aeronaves de asa rotativa. Fazendo um paralelo, no continente sul- americano, muitos empregam as mesmas viaturas em suas fileiras, inclusive de origem nacional, sendo fundamental, também, que se conheçam as diferenças de acessórios e até de camuflagem para que haja a correta identificação do inimigo em um engajamento.

Além disso, evidenciou-se a semelhança entre a tropa blindada brasileira e dos EUA no uso de simuladores para adestramentos das guarnições CC. Ressalta-se, além da capacidade dos simuladores norte- americanos (AGTS e CCTT), a metodologia utilizada por eles para . adestramento da técnica de tiro, empregando engajamentos duplos em posturas táticas (ofensiva e defensiva) e utilizando planilhas de avaliação que consideram a dificuldade do alvo engajado pela guarnição.

O tiro real da VBC M1 Abrams, por sua vez, é realizado da mesma forma que no simulador, permitindo a guarnição adestrar-se de forma mais eficiente na busca e monitoramento continuado, comandos de tiro e seleção de munição. Os polígonos de tiro em utilização atualmente pelo Exército Brasileiro (CIMH e CIBSB) têm recebido consideráveis investimentos para sua modernização, particularmente com a instalação de alvos pop-up. A médio prazo, a instalação de bermas e pista de progressão mais adequadas aumentaria as possibilidades de tipos de adestramento a serem realizados pelas guarnições durante o tiro real.

Como ponto culminante do ABOLC, destacou-se a terceira fase do curso, onde o aluno aprende e realiza o planejamento de operações no nível pelotão, com a emissão de ordens avaliadas. Esforços nessa direção têm sido empreendidos já na alma mater da Força Terrestre brasileira, com avaliações somativas de emissão de ordens para cadetes do Curso de Cavalaria da AMAN. O processo, no entanto, ainda carece de amadurecimento, a fim de proporcionar, ao instruendo, prática suficiente na execução do planejamento e na preparação da ordem, bem como para avaliar, de forma mais ampla, a capacidade de planejamento do discente.

 

REFERÊNCIAS

USA. US Army. ABOLC. Threat/Friendly/Theater-specific Vehicle Identification (TFTVID). Apresentação de Power Point. Fort Moore, GA, 2021a.

USA. US Army. ABOLC. Ammunition Identification. Apresentação de Power Point. Fort Moore, GA, 2021b.

USA. US Army. Armor Basic Officer Learder Course. Disponível em: https://www.benning.army.mil/Infantry/199th/2-16/ABOLC/. Acesso em: 28 dez. 22.

USA. US Army. FM 3.20.21 Heavy Brigade Combat Team (HBCT) Gunnery. Washington, D.C: APD, 2009.

USA. US Army. . TC 25-8 Training Ranges. Washington, D.C: APD, 2004.

USA. US Army. Army Publishing Directorate. DA Forms (Range 8000 – 8999). Disponível em: https://armypubs.army.mil/ProductMaps/PubForm/DAForm8001_9000.aspx. Acesso em: 19 dez. 22.

WATERMAN, Danny. Fatricide: Incorporating Desert Storm Lessons Learned. Newport: Naval War College, 1997. Disponível em: https://apps.dtic.mil/sti/pdfs/ADA312216.pdf. Acesso em: 20 dez. 22.

 

 

LUCCA TORRES RODRIGUES DE SOUSA – 1° Ten Cav

Instrutor do C Cav AMAN

 
 

ALEXANDRE CHECHELISKI - cel cav

Comandante do CI Bld

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