O surgimento dos UGV (Unmanned Ground Vehicles) e a robotização da tropa blindada
O surgimento dos UGV (Unmanned Ground Vehicles) e a robotização da tropa blindada
Os UGV (unmanned ground vehicles), em tradução livre “Veículos Terrestres Não-Tripulados” são viaturas que têm por finalidade evitar a exposição do combatente a missões de alto risco ou a locais inacessíveis por outros meios (escombros, tubulações, etc.), ao mesmo tempo em que proporcionam um aumento da consciência situacional dos comandantes.
Quando se citam veículos não tripulados, a primeira referência são as ARP (Aeronaves Remotamente Pilotadas), ou drones. Os UGV são o equivalente, em solo, das ARP. Contudo, essas aeronaves já se encontram devidamente incorporadas à doutrina dos países de exércitos mais desenvolvidos, bem como equipa forças policiais e de segurança pelo mundo. Por sua vez, os UGV ainda estão em fase de pesquisa e desenvolvimento, sendo sua inserção na doutrina militar terrestre ainda incipiente.
O surgimento dos UGV deu-se, em parte, pela maior capacidade desses veículos transportarem carga (payload) em comparação à possibilitada pelas ARP, bem como pela necessidade de realizar tarefas extremamente perigosas sem expor o operador/ especialista.
No Brasil, os UGV já são empregados nos Grupos Antibomba e outras frações responsáveis pela desativação de artefatos explosivos da Polícia Federal e de algumas Polícias Militares estaduais.
A maioria dos UGV é controlada remotamente por um operador com uma estação. Porém existem outras formas de conduzir os veículos remotos, como através da utilização de inteligência artificial com escaneamento do terreno, além do modo “follow”, quando o UGV segue o operador que possui um dispositivo de guiamento. É possível, também, a utilização da técnica do enxameamento (swarming), em que inúmeros veículos são empregados ao mesmo tempo, sob um comando centralizado, atuando de forma integrada e autônoma.
Algumas empresas têm desenvolvido UGV com foco no emprego em combates modernos. A MilREM Robotics, empresa sediada na Estônia, projetou e construiu o THeMIS (Tracked Hybrid Modular Infantry System), autodeclarado primeiro veículo terrestre não-tripulado híbrido e modular do mundo. Dentro do conceito de modularidade, possui inúmeras possibilidades: transporte de cargas, transporte de feridos, IRVA (inteligência, reconhecimento, vigilância e aquisição de alvos), repetidora de sinal de comunicações, EOD (manipulador de IED e explosivos), estação para ARP, plataforma armada, entre outras.
A plataforma armada do THeMIS tem encontrado inúmeras parcerias de desenvolvimento: com a ST Kinetics e o SARC ADDER SM; com a Kongsberg e o consolidado SARC Protector (incluindo o míssil Javelin); com a FN Herstal e o SARC deFNder Medium; e mais recentemente, com a francesa MDBA, que instalou dois mísseis de quinta geração MMP no UGV da MilREM.
Os UGV têm sido empregados em exercícios na Inglaterra, como no Army Warfighting Experiment 2018 – Autonomous Warrior Exercise, e em outros treinamentos sob coordenação da OTAN, como o Crossed Words, em janeiro de 2019.
O foco da utilização da robótica nas operações tem sido na chamada the last mile (última milha), porção do terreno mais à frente de uma campanha militar, que quando em contato com o inimigo, é o local da área de operações onde ocorrem mais baixas e é ainda mais dificultada a logística.
O exército da Estônia utilizou o THeMIS na operação Spring Storm 2019, bem como desdobrou dois deles no Mali para apoiar as tropas a pé (versões de transporte de carga e estação para ARP).
Outras empresas de produtos de defesa também têm investido nessa tecnologia. A Rheinmetall desenvolveu o Mission Master, UGV sobre rodas que está em fase de testes na África do Sul e já possui protótipo com lançador de foguetes 70mm. A IAI israelense tem trabalhado no UGV RoBatlle e a General Dynamics tem conduzido testes com o UGV MUTT em versões sobre rodas e sobre lagartas.
À esteira da tecnologia dos veículos terrestres não tripulados de pequeno e médio porte, inúmeros países têm desenvolvido UGV com base em Viaturas Blindadas de Combate (VBC).
Em 2018, a Rússia, através da empresa UralVagonZavod, anunciou o desenvolvimento de um UGV baseado na plataforma da VBC T-72B3. O foco do projeto é o emprego nas operações em ambiente urbano, segundo o Ministério da Defesa Russo. O UGV poderá ser operado em grupos com até quatro viaturas. Por ser não-tripulado, a previsão do governo russo é que se possa aumentar a elevação do canhão (para até 20º), aumentar os tipos de munição a serem empregadas, empregar sistemas de aquisição de alvos baseados em dados de alvos e objetivos pré-programados e, principalmente, melhorar a sobrevivência da viatura no campo da batalha, podendo resistir a até 15 impactos de arma anticarro e prosseguir operativa.
Paralelo a isso, a Rússia desenvolveu e produziu uma viatura blindada controlada remotamente, o URAN-9, viatura de apoio de fogo de 10 toneladas. De acordo com fontes russas, o URAN-9 pode ser armado com até 04 mísseis ATAKA 9M120, além de um canhão 2A72 de 30mm e uma metralhadora coaxial PKTM de 7,62mm. Pode, ainda, ser dotado de 06 mísseis Kornet-M 9M133M, adquirindo alvos a até 6km durante o dia e 3km durante a noite. Afirma-se que o URAN-9 pode ser controlado remotamente, a partir de uma estação de controle, a uma distância de até 3km do veículo.
Contudo, após desdobramento de alguns URAN-9 na Síria, inúmeros problemas surgiram, especialmente no alcance do controle remoto, que ficou entre 300-500m; nos optrônicos, que conseguiram adquirir alvos a somente 2km; nos trens de rolamento, que exigiram constante manutenção, e no armamento, que apresentou inúmeras falhas de funcionamento. Um problema crítico encontrado nesse veículo foi a falta de estabilização do sistema de armas, que acabou exigindo a execução dos tiros com a viatura parada.
Com plataforma semelhante à do URAN-9 e baseada na viatura croata MV-4 Dok-Ing, os russos produziram o URAN-6 MRKT-R, UGV destinado às atividades de desminagem do campo de batalha. O veículo tem peso aproximado de 5 Ton e autonomia de 16 horas. Em teoria, a viatura substitui o trabalho de 20 militares, tendo a capacidade de neutralizar explosivos de 130 libras (59kg) de TNT e podendo ser controlada a uma distância de 1.500 metros.
Em 2018, o canal CCTV, da imprensa estatal chinesa, divulgou o vídeo de um carro de combate Type-59 (versão chinesa da VBC T-55 russa) sendo conduzido remotamente por um militar a partir de uma estação de controle. De acordo com o Ministério da Defesa, esse protótipo pode ser um possível destino para os ultrapassados Type-59 da frota chinesa. Esse experimento foi, aparentemente, um dos primeiros testes chineses na área de robotização e automação de viaturas blindadas de combate.
Por sua vez, os EUA também têm investido na pesquisa e no desenvolvimento do chamado Robotic Combat Vehicle (RCV), um UGV que é parte do programa Next-Generation Combat Vehicle (NGCV), sob responsabilidade do Army Futures Command, órgão do Exército Americano dedicado a pensar cenários e soluções para as guerras que ainda virão.
A estratégia americana dos chamados RAS (Robotic and Autonomous Systems) visa a dotar o Exército Americano de meios robóticos que podem “reduzir o número de combatentes em situações de perigo, aumentar a velocidade de decisão em operações críticas e realizar missões impossíveis para os humanos”.
Nesse contexto, o Ground Vehicle Systems Center (GVSC), organização do Comando de Desenvolvimento de Capacidades de Combate do Exército Americano (DEVCOM) apresentou, recentemente, uma versão da VBTP M113 construída sob a possibilidade de ser ou não tripulada. Trata-se do conceito MUM-T (Manned UnManned-Teaming), que possibilita a operação remota ou tripulada da viatura.
Essa viatura é o embrião de um programa que tem por finalidade realizar, em 2023, um exercício de nível Subunidade (SU) com a quase totalidade de meios não-tripulados.
Na 1ª fase do programa, está previsto o emprego de um Pel de RCV em missões de reconhecimento, já em 2020. Para a fase 2, somar-se-iam dois pelotões (um de RCV médio e um Pel de RCV leve). A companhia/esquadrão deverá estar em condições de cumprir missões ofensivas (ataque) em ambiente urbano, além de operações defensivas. Por fim, em 2023, planeja-se executar operações ofensivas, defensivas e de abertura de brecha com os meios robóticos, no nível SU.
O Exército Americano está desenvolvendo as viaturas que serão as estações de controle dos UGV, na proporção de uma viatura-estação para dois UGV. Cada RCV será controlado por dois soldados, sob supervisão de um graduado, a partir dessas plataformas.
Em abril de 2019, o Exército Americano conduziu o Joint Warfighting Assessment (JWA) 2019, exercício em que empregou, de forma inédita, o Robotic Complex Breach Concept, uma Viatura Blindada Especial de Desminagem (M1150 Assault Breacher Vehicle-ABV) com capacidades remotas, bem como um protótipo do M1135, Viatura Blindada Especial DQBRN, também não tripulada. Ambas atividades encontram nas viaturas não-tripuladas excepcional finalidade, uma vez que a desminagem do campo de batalha e a execução de operações em ambiente contaminado com agentes QBRN são extremamente perigosas para as guarnições desses veículos.
A robotização das tropas com a crescente utilização dos ARP e dos UGV incide diretamente na doutrina de emprego dos exércitos. O Exército Americano, em seu estudo de cenários futuros de combate, já visualiza o emprego sinérgico dos meios não tripulados com a tropa, visualizado na seguinte imagem, extraída de uma apresentação da DEVCOM:
Em um primeiro momento, empregam-se os SARP para reconhecimento aéreo local. Em seguida momento, os UGV progridem pelo chão provendo apoio às tropas como elemento de reconhecimento, segurança e até de apoio de fogo. As vias de acesso dificultadas, como túneis e redes subterrâneas, contam com um UGV à vanguarda, sendo os primeiros a estabelecer contato com o inimigo. Ressalta-se a possibilidade de emprego de um SARP de maior categoria no monitoramento e vigilância da área de operações, entregando aos escalões superiores uma melhor consciência situacional de toda a operação. Ainda, à retaguarda dos combatentes podem estar os UGV de apoio logístico, transportando munições e equipamentos, bem como os veículos remotos para o transporte de feridos.
A não-aceitação (pública e institucional) de baixas humanas em combate tem impulsionado a pesquisa e o emprego constante desse tipo de plataforma não-tripulada, especialmente em atividades de alto risco para os combatentes.
Para a tropa blindada, a utilização de UGV em abertura de brecha em campos de minas, em reconhecimentos de áreas contaminadas por agentes QBRN e em operações em ambientes urbanos já se apresenta como realidade factível, contribuindo com a segurança e o ímpeto das ações, característica marcante do emprego de blindados.
O emprego da robótica e dos veículos não tripulados nos campos de batalha, inicialmente representados em filmes de ficção científica, começam a tomar forma real. O desenvolvimento dos UGV e sua inserção na área de operações, aliado à crescente robotização da tropa blindada são fatores que se somam ao já complexo combate em múltiplos domínios, e que tendem a revolucionar a tradicional arte da guerra como a conhecemos.
Clodomiro Rodrigues Matozo Junior - Maj
Instrutor do CI Bld
Carlos Alexandre Geovanini dos Santos - Ten Cel
Comandante do CI Bld