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LAGARTAS DE BORRACHA: ORIGEM E APLICABILIDADE

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Introdução

As concepções de veículos de batalha remontam à Antiguidade: há relatos e até projetos concebidos por civilizações ancestrais que desejavam criar plataformas de combate encouraçadas, ímpeto que se manteve no Renascimento e na Idade Moderna. Contudo, nem mesmo as máquinas a vapor possibilitaram dar vida a esses engenhos, sendo o advento do motor a combustão interna o ingrediente que faltava para impulsionar os carros blindados, o que só ocorreu durante a Primeira Guerra Mundial (ALBUQUERQUE [1921], 2018).

Figura 1: carro de combate desenhado por Holzschuher, em 1558
Fonte: ALBUQUERQUE [1921], 2018, p. 27
 

A mobilidade que esse novo vetor dos campos de batalha demandava para poder levar à frente sua ação de choque foi solucionada tomando-se emprestada, dos tratores agrícolas, a ideia de dotar os mecanismos de locomoção não de rodas, mas sim de lagartas, invento que

Consiste [...] num caminho de rolamento constituído por peças de madeira, trazidas pelo veículo e deslocadas por ele em sucessão regular, de tal modo que mantém sempre em contacto com o solo um comprimento suficiente para permitir o rolamento do veículo. Quando as rodas da frente estão no ponto de alcançar a extremidade desta sorte de trilho, um novo elemento vem-se-lhe assentar na frente, contribuindo tudo, pela ação do peso, a erguer o elemento que as rodas de trás acabam de deixar. Assim as peças de madeira, vindas de trás, se colocam sucessivamente na frente, uma após outra, para constituir o caminho de rolamento (EDGEWORTH apud ALBUQUERQUE, 2018).

Assim, a evolução tecnológica daquele tempo convergiu em um veículo bastante pesado, porque dotado de espessa blindagem e potente armamento, ainda que esse seu peso passasse a ser bem distribuído nas esteiras capazes de romper trincheiras e obstáculos de arame, feito que carros sobre rodas não podiam realizar. Sua mobilidade não dependia mais de tração animal, mas de grande potência advinda da combustão de derivados do petróleo, relativamente seguros dentro de sua carapaça. Assim, surgiu o Mark I, criado no Reino Unido, reunindo todas essas características.

 

As lagartas de metal

Nos próximos conflitos, os materiais foram repensados e as placas de madeira, como se via no Renault FT17, o primeiro carro de assalto, deram lugar a lagartas inteiramente fabricadas em metal, como se constata no robusto carro de combate Tiger II, desenvolvido pela Alemanha ao final da Segunda Guerra Mundial.

Figura 2: Tiger II, da Alemanha, concebido no final da II GM, com suas grandes lagartas exclusivamente de metal
Fonte: The Tank Museum, Bovington, UK
 

Segundo Pasholok (2021), devido ao sobrepeso dos veículos, algumas soluções foram buscadas para transpor superfícies difíceis, como neve, lama ou pântanos. Surgiram, então, ainda durante a Segunda Guerra Mundial, extensões dos segmentos das lagartas, que tinham por objetivo aumentar a superfície de contato com o solo sem afundar os blindados naqueles pavimentos. Os norte-americanos chamaram-nas duckbill (ornitorrinco, em Inglês):

Figura 3 e 4: extensão de segmento da lagarta de um M4 Sherman, para permitir deslocamento em pântanos e na neve
Fonte: https://www.tankarchives.ca/2021/03/snow-shoes.html
 

Adiante, viu-se a melhoria de incluir patins de borracha intermediando o contato desse metal com o solo, de modo a aumentar a aderência e a diminuir o desgaste do aço em terrenos duros. Também se objetivava diminuir a trepidação, o ruído e os danos ao pavimento por onde circula. Eles podem ser substituídos, quando muito gastos, e, ainda, ser intercalados com patins metálicos com garras, se transitando no gelo ou na neve, mais escorregadios.

Vantagens Desvantagens
Melhor capacidade off-road possível e a capacidade de superar obstáculos Resistência ao rolamento relativamente elevada
Proteção relativa contra fogo inimigo, principalmente quando se utiliza saias de proteção São relativamente mais caras
Design conveniente, proporcionando uma silhueta baixa ao veículo Sua alta vibração e carga vibratória na guarnição (pessoal) e no equipamento
Boa manobrabilidade em espaços confinados – com engrenagens de direção correspondentes é possível girar em torno do eixo vertical Alto nível de ruído, especialmente em velocidades mais altas
Tabela 1: pontos positivos e negativos das lagartas metálicas
Fonte: HÄLAND, 2018 (adaptado, tradução nossa)
 

As lagartas de aço, entretanto, apresentam diversas desvantagens. Isso inclui vibrações severas que têm efeitos adversos na saúde das pessoas no seu interior e na mecânica do veículo e dos seus equipamentos eletrônicos, levando a avarias mais frequentes, afirma Häland (2018).

Nesse contexto, pensou-se em mitigar todos esses problemas mediante a substituição do metal inteiramente por borracha composta, mesclada a outros materiais, como fibra de carbono, plástico e ferro fundido. A empresa canadense Soucy, em 1988, de vasta experiência em produção e desenvolvimento de tratores agrícolas, iniciou um projeto para o veículo Sisu Nasu NA-140, da Finlândia, por sua subsidiária de Defesa. No ano 2000, criou-se uma lagarta de borracha composta (composite rubber track, sigla CRT) para os veículos para neve multipropósito BV206 e BVS10 e, em 2002, para a família de veículos M113. Até o momento, estão montados em mais de 1.000 plataformas em todo o mundo (SOUCY..., 2024).

 

As lagartas de borracha

Desde então, a tecnologia foi aprimorada a ponto de permitir a criação de CRTs para pesados carros de combate, como o Leopard 1 C2 (versão do blindado alemão para o exército do Canadá, de 42 toneladas).

Ainda segundo aquela empresa, seu material resiste e funciona sob temperaturas que variam desde os -50° C até +50° C, ou seja, do ártico ao desértico. Seu produto é anunciado como potencializador de maiores velocidades aos veículos que o possuam, melhor manobrabilidade, resistência ao fogo e a minas terrestres até o padrão STANAG 3 (SOUCY..., 2018).

Figura 5: patins de borracha gastos (acima) e novos (abaixo) em um carro de combate Abrams M1, dos EUA
Fonte: https://en.wikipedia.org/wiki/Continuous_track
 

Já no Brasil, em 2014, realizou-se testes com esse sistema de tração para o M113BR, que tiveram o intuito de experimentar e analisar sua eficiência, dirigibilidade e operacionalidade. Para isso, experimentou-se deslocamento em terreno variado, frenagem, raio de giro, flutuação e navegabilidade.

Naquela ocasião, o Exército Brasileiro adquiriu 2 lotes desse componente, somando 29 pares, distribuídos entre os quatro Batalhões de Infantaria Blindados (7º, 13º, 20º e 29º BIB). Os principais motivos para sua aquisição são: melhor desempenho em área urbana, diminuição de danos causados nas ruas e atendimento a exigência da Organização das Nações Unidas (ONU) de os blindados empregados em missões de paz deverem usar lagartas de borracha (SOUZA, 2015).

Figura 6: viatura escola do Leopard 1 C2, canadense, com CRT
Fonte: HÄLAND, 2018
 

Para a implantação da lagarta no M113 BR, houve modificações no trem de rolamento, como a substituição da polia motora por outra, composta de liga de plástico e nylon, e da polia tensora com uma banda de borracha na parte que entra em contato com a lagarta, a fim de diminuir o atrito. Ali, viu-se que a utilização da lagarta de borracha em blindados tornou-se alternativa viável para minimizar o desgaste da tropa e do material. Mesmo possuindo algumas desvantagens, pode ser uma boa opção dados seu emprego e sua eficiência (MACHADO; SANTOS, 2018).

Consoante a empresa Soucy, as vantagens das CRTs podem ser discriminadas como redução em mais de 50% do peso, 70% da vibração, 13 decibéis de ruído, 30% do consumo de combustível e 80% de dispêndio em manutenção, tudo se comparadas aos sucedâneos metálicos.

Ainda segundo aquela empresa, seu material resiste e funciona sob temperaturas que variam desde os -50° C até +50° C, ou seja, do ártico ao desértico. Seu produto é anunciado como potencializador de maiores velocidades aos veículos que o possuam, melhor manobrabilidade, resistência ao fogo e a minas terrestres até o padrão STANAG 3 (SOUCY..., 2018).

Figura 7: CV90, do exército holandês, com lagartas de borracha
Fonte: https://www.army-technology.com/news/dutch-cv90s-to- get-composite-rubber-tracks/
 

A exemplo dessas melhorias, pode-se averiguar que o Real Exército dos Países Baixos, a partir de 2020, firmou contrato com a empresa BAE Systems a fim de equipar suas viaturas blindadas de combate de fuzileiros CV90 com lagartas de borracha composta, como parte de um programa de atualização de 500 milhões de euros. Essa força armada seguirá o Exército Norueguês, que já equipou seus veículos com esteiras de borracha e os utilizou no Afeganistão (LYE, 2020).

 

Aplicação das CRTs

Muito se descreveu, até aqui, sobre as vantagens desses implementos na neve e algo sobre sua aplicabilidade em ambientes urbanos, a fim de reduzir seu dano às vias pavimentadas.

Contudo, resta discorrer sobre as potenciais vantagens que esse material traria ao combate convencional, em terrenos mais comuns à geografia brasileira. Na figura 10, abaixo, podemos ver resultados favoráveis em testes realizados em areia seca, que demonstram maior capacidade de tração da CRT em relação ao metal. Veja:

Figura 8: gráfico comparativo de desempenho de lagartas de metal x borracha sobre piso de areia seca
Fonte: HÄLAND, 2018
 

 

Conclusão

Desde a batalha do Somme, em 1916, berço dos blindados de guerra, seus mecanismos de tração vêm sendo inspirados nos tratores agrícolas. A evolução para materiais mais leves, no intuito de reduzir a erosão na lavoura, novamente trouxe salto tecnológico do arado para o carro de combate.

Os países de inverno rigoroso têm se mostrado favoráveis a implementar esse moderno equipamento, presumivelmente para enfrentar terrenos nevados ou congelados com mais facilidade. No caso do Brasil, mais ensaios deveriam ser conduzidos, em variados terrenos, a fim de assegurar as (des)vantagens que esse material pode ou não proporcionar. Desde o primeiro teste, descrito com nossos M113, em 2018, a flutuabilidade e a navegabilidade já não se mostraram tão eficientes quanto o similar de metal, por exemplo.

Em cenários futuros, com provável participação brasileira em novas missões de paz sob a égide da ONU, caso venhamos a lançar mão de viaturas blindadas em vez dos tradicionais veículos mecanizados, o emprego desse acessório poderá ser uma exigência para a qual devamos estar equipados e adestrados. Sua eventual adoção pode ser encarada como a de um acessório extra, diga-se, e não como a de um substituto definitivo.

 

Referências

 

ALBUQUERQUE, José Pessôa Cavalcanti de. Os tanques na guerra europeia: 1914-1918. 2. ed. rev. atual. - Rio de Janeiro: Ed. ESG, 2018. 220 p.

 

HÄLAND, Walter Christian. Power on Rubber Tracks. In: Truppen Dienst (online). 5 jun. 2018. Disponível em: https://www.truppendienst.com/themen/beitraege/artikel/power-on- rubber-tracks. Acesso em: 28 jun. 2024.

 

LYE, Harry. Dutch CV90s to get composite rubber tracks. In: Army Technology (online). 29 out. 2020. Disponível em: https://www.army- technology.com/news/dutch-cv90s-to-get-composite-rubber-tracks/? cf-view. Acesso em: 1° jul. 2024.

 

MACHADO, Daniel Machado de; SANTOS, Carlos Alexandre Geovanini dos. Emprego da lagarta de borracha na VBTP M113 BR. Escotilha do Comandante, ano IV, n. 120, Centro de Instrução de Blindados, 8 nov. 2018.

 

PASHOLOV, Yuri. Snow “Shoes”. In: Tank Archives (online). 15 mar. 2021. Disponível em: https://www.tankarchives.ca/2021/03/snow- shoes.html#google_vignette. Acesso em: 28 jun. 2024.

 

SOUCY DEFENSE. CRT Systems. Disponível em: https://soucy- defense.com/. Acesso em: 28 jun. 2024.

 

SOUZA, Rafael de. 20º BIB testa lagartas de borracha. In: A Forja, informativo do CI Bld, ano XVII, n. 59, ago. 2015.

 

Aço, boina preta, brasil!

 

FILIPE RODRIGUES PINHEIRO - maj cav

Instrutor do CI Bld

 
 

ALEXANDRE CHECHELISKI - cel cav

Comandante do CI Bld

 

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